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Foto do escritorInês Pinto da Costa

Crítica: Ghosteen, uma catarse de tudo e mais alguma coisa

5 em 5


Entre a procura da paz e o conforto de saber viver com uma peça em falta, Nick Cave expressa-se da melhor forma que sabe: através da música e das palavras. Ghosteen demonstra que Cave é muito mais do que um simples músico e sabe reinventar-se como ninguém. Ghosteen é uma verdadeira obra de arte.

Capa do álbum

As expectativas não poderiam estar mais altas depois do esplêndido antecessor de 2016, Skeleton Tree. Se há 3 anos ouvíamos um Nick Cave de luto, ainda desamparado pela perda do filho e a enfrentar o processo de saber avançar no “tempo elástico”, hoje sentimos a mesma dor, mas mais resolvida.


Ghosteen é um duplo álbum. Aquando do lançamento, Nick Cave anunciou que a primeira parte representa “os filhos”; a segunda parte representa “os pais”. A sonoridade distancia-se muito do Nick Cave de há uns anos atrás e, apesar de ter detalhes que remetem para o álbum anterior, soa a algo novo.


Marcado por uma dualidade que, embora inesperada, se complementa, o novo disco tanto usa sonoridades metálicas, industriais e rítmicas (como são prova “Spinning Song” e “Night Raid”, cujo uso de sintetizadores confere um ambiente “cósmico”), como melodias harmoniosas e o piano tão típico de Cave. Exemplo perfeito desta simbiose é “Waiting For You”: o início é marcado por um ritmo mecânico, rapidamente invadido pelo piano e por uma melodia que, por momentos, parece cantada por anjos.


Sendo a palavra uma das maiores armas de Cave, não seria de esperar algo menos do que aquilo a que nos habitua sempre: letras contemplativas e narrativas com um “quê” de aleatoriedade. Nem tudo é fácil de decifrar mas, em muitos momentos, vemos pedidos de ajuda e reflexões sinceras. A maior evidência disto mesmo é “Fireflies”, uma faixa de spoken word que começa com uma frase forte e acaba com uma constatação simples: “Jesus lying in his mother's arms (...) We are here and you are where you are”.


Nick Cave tem mostrado, ao longo dos anos, que é um ser mutante (no fundo, como qualquer pessoa normal - muda ao longo do tempo e conforme a circunstância). Deste lado, de quem o ouve, conseguimos vê-lo crescer e aprender com a própria vida. Ouvir Ghosteen não é um exercício fácil. É uma viagem, uma reflexão, uma catarse de “tudo e mais alguma coisa”. Em “Spinning Song”, Nick Cave acaba a música repetindo “peace will come in time”. Não se chega ao fim do álbum com respostas, no mínimo com mais perguntas, mas com a certeza de que, se abraçarmos as coisas como são, tudo vai correr bem. “Peace will come in time”.

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