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Inês Moura Pinto

O fim do Porto como o conhecemos

O crescimento do turismo no Porto está a afetar a economia da cidade de uma forma que nem todos os estabelecimentos conseguem acompanhar.


A procura do Porto cresceu, e a cidade acompanhou. A baixa da antiga Invicta está a desvanecer a cada construção turística. Os pequenos comerciantes estão a fechar, os prédios envelhecidos estão a ser demolidos e as pessoas despejadas, e os espaços emblemáticos estão a ser convertidos. Onde a tradição jaz nascem, agora, hotéis, alojamentos locais e restauração moderna.

Em andaimes se renova o Porto. O tradicional fecha e o turístico toma lugar | Inês Moura Pinto

O Porto está na moda e atrai cada vez mais turistas. Este fenómeno gera um impacto abismal na economia e na edificação da cidade. O Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP) corrobora esta atração crescente: "afirmou-se, durante o mês de julho, como o destino que mais cresce na atividade turística no todo do contexto nacional". “O Porto e Norte tem tudo para se afirmar como um destino de excelência", declarou Luís Pedro Martins, presidente da TPNP.


Na apresentação do estudo "Impacto do Turismo na Morfologia Urbana dos Municípios do Eixo Atlântico", em Matosinhos, o secretário-geral do Eixo Atlântico, Xoán Mão, pediu uma reflexão na "qualidade do turismo" e uma adaptação do "turismo à capacidade de cada cidade".


Afirmou também que a "acumulação de turistas no mesmo espaço de tempo" está a converter a cidade "num parque temático", e que há um risco de se repetir o que está a acontecer em Alfama. “Alfama já não é um bairro de Lisboa, pode ser perfeitamente de qualquer parte do mundo", alertou Xoán Mao. Reforçou, ainda, a necessidade em "garantir que os lucros do turismo ficam no território", ao manter as "lojas com produtos locais e tradicionais" e o turismo "cooperativo", pois as cidades "começam a ter alguns elementos que podem apontar problemas".


Um desafio para os pequenos comerciantes


Torna-se complicado para os pequenos negócios e comerciantes de um Porto tradicional acompanharem o progresso económico potenciado pelo turismo. Muitos não resistem à mudança. As rendas sobem, o valor dos espaços aumenta, os compradores pressionam e os negócios mais pequenos não aguentam. Estamos perante a “seleção natural” do ramo imobiliário: quem consegue pagar as rendas aumentadas supera, quem não consegue cede. A alguns nem é dada escolha.


A sentença das Galerias Lumière foi passada no final de 2019, com encerramento previsto para 2020 para dar lugar a mais um empreendimento turístico. Aos comerciantes, a quem nada foi comunicado oficialmente, restam apenas dúvidas e uma data de saída. Segundo o Público, a notícia surgiu de surpresa aos proprietários da livraria Poetria: “quando Francisco e Nuno voltaram de férias souberam que vários comerciantes com quem partilham as galerias já se tinham reunido com a empresa. Quatro assinaram acordos para sair, cinco permanecem na angústia da espera”. Aqueles que não conseguirem encontrar rendas acessíveis, não voltarão a abrir.


O problema da habitação nos grandes centros


O Porto enfrenta um problema de habitação: não há casas, mas há hóteis. Prédios estão a ser demolidos e reconstruídos, mas passam a dar lugar a alojamento local e novos hotéis, e não a novas habitações. A construção turística em massa surge para satisfazer uma necessidade, a de acolher um número crescente de turistas. Face ao problema imobiliário, o Bloco de Esquerda quer suspender, por um ano, licenças para novos hotéis no Porto.


Em fevereiro do ano passado, a equipa da Comissão Europeia, no nono relatório sobre Portugal, alertou para o problema do mercado de habitação no país: "é preciso acompanhar mais de perto". Os especialistas mostraram preocupação com os efeitos sociais do aumento do valor da habitação nos últimos anos anos.


"O aumento nos preços das casas está em grande medida concentrado nas principais cidades de Lisboa e Porto, onde as atividades do turismo se estão a expandir para as áreas residenciais, com um impacto negativo na habitação a preços acessíveis para os grupos socialmente vulneráveis", constataram.

Recuperação de um edifício na Rua de São Filipe de Nery | Inês Moura Pinto

A descaracterização dos espaços emblemáticos


Segundo a consultora imobiliária Cushman & Wakefield Portugal, a Avenida dos Aliados também espera uma mudança. O diretor-geral Eric van Leuven considera que "a Avenida dos Aliados vai tornar-se a Avenida da Liberdade do Porto". Para os responsáveis, a avenida está a despertar o interesse de marcas de luxo e já conta com lojas da Tod's, Burberry e Boutique dos Relógios Plus. A última está sediada no edifício Aliados 107, onde era a sede do antigo jornal "O Comércio do Porto". Espera-se que as grandes marcas acompanhem o dinamismo do mercado imobiliário e turístico do Porto e procurem abrir lojas na Avenida.


A consultora C&W reforça que há uma "elevada procura latente no mercado" do Porto, e acrescenta que "até 2022 está prevista a conclusão de nove projetos com uma área total de 110.000 m2". O valor prime de referência na cidade do Porto, segundo a consultora, manteve-se em relação a 2018, com 18 euros/m2 por mês na Avenida da Boavista e 75 euros/m2 por mês na Rua de Santa Catarina.


Ao lado, na ala sul da Estação de São Bento, quer nascer um mercado Time Out. A Câmara do Porto já aprovou o Pedido de Informação Prévia (PIP) do projeto, que inclui a construção de uma torre de 21 metros. Este “parecer favorável” não é, contudo, segundo a autarquia, “um licenciamento”. Para continuar o processo, a Time Out necessita agora de dar seguimento a esse pedido. Segundo a Lusa, o projecto, da autoria de Eduardo Souto de Moura, foi aprovado pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) em maio, apesar das críticas da Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), e da UNESCO quanto ao “tamanho intrusivo” da torre.


O edifício do Jornal de Notícias foi vendido no início de 2019 ao empresário macaense Kevin Ho e passará a ser um hotel de luxo da Marriott - o Hotel Journal. O nome foi traduzido, mas a intenção é manter a tradição e imagem do espaço histórico. Kevin Ho, cuja empresa KNJ já detém 30% da Global Media, afirmou que se trata de “um investimento entre 35 a 40 milhões de euros por este hotel com 213 quartos”.


“O turismo não é a única coisa que floresce em Portugal, é toda a economia. É um dos locais mais inovadoras da Europa. O país vai estar ainda melhor no futuro”, disse o novo proprietário do edifício à Macau News Agency. A redação do Jornal de Notícias vai mudar de casa, mas não sai do Porto: o novo edifício fica na Rua de Latino Coelho.


Já as portas do emblemático Café Ceuta estão fechadas. Temeu-se que fosse o fim de mais um espaço histórico do Porto, mas os proprietários garantem que não passa de uma remodelação. Agostinho Silva, um dos três donos do espaço, não deixa dúvidas de que as obras serão feitas “com respeito total pela traça, a tradição e o património da casa”. Nem sempre o progresso é sinónimo de mudança. O espaço histórico na baixa vai continuar a levar-nos à Invicta dos anos 50 quando reabrir, ainda no primeiro trimestre de 2020.


Em 2019, o Porto recebeu mais de 4,479 milhões de hóspedes, contando com 8,343 milhões de dormidas. Em 2018, a receita total foi de 560 milhões de euros, mas em 2019 deverá atingir os 700 milhões. O impacto do turismo na economia é visível. No ano passado foram registadas 20 mil unidades de negócio na Região de Turismo do Porto e Norte, desde hotéis e alojamento local a animação turística e agências de viagens.

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