GRANDE REPORTAGEM
2019 foi ano de eleições em Portugal. Não uma, mas duas: em maio, as europeias e, em outubro, as legislativas. À luz das últimas, voltou a destacar-se o número de portugueses que não votou. Em comparação com as eleições legislativas de 2015, a abstenção aumentou 7,3%. Isto significa que, este ano, mais de metade dos portugueses não exerceu o seu direito cívico. Para este valor contribuem também os jovens que não se manifestaram nestas eleições. Desinteresse, incompreensão ou até burocracias parecem ser algumas das razões em cima da mesa desta geração. Mas o que é que leva alguém a prescindir de uma escolha que afeta o rumo do país? O Prisma falou com especialistas, juventudes partidárias e representantes políticos, sem esquecer o mais importante: os jovens. Porque, quer votem quer não, o futuro está nas mãos deles.
A Rita tem 21 anos e nunca votou. Nestas legislativas, o ritual repetiu-se: as eleições aproximaram-se, o fluxo de informação aumentou, mas o interesse da Rita na política nem por isso.
Sem saber em que partido votar, ainda ponderou votar em branco, mas achou “desnecessário”. Como razão para a sua abstenção consecutiva, Rita Silva culpa, por um lado, a falta de tempo para se informar, por outro, o papel diminuto que a política tem na sua vida. “Eu não votei porque não senti que tinha informação suficiente para ir votar. Não é uma área que seja propriamente prioritária nos meus interesses”.
Para a Rita ir votar, o essencial é “ter informação dos partidos que estão em jogo no momento, e saber ao certo o que cada um atrai, o que cada um propõe, e a partir daí tomar uma decisão”.
“Também não procurei, diga-se de passagem, pesquisar muito. Não tive esse cuidado”, confessou Rita. Apesar de dizer não ligar muito à política, considera que se trata de uma temática importante: “toda gente se devia interessar um bocadinho, e contra mim falo, não é?”.
Rita reconhece a existência de plataformas online que ajudam a segmentar a informação dos partidos para uma melhor compreensão, mas recorda-se de não ter resultado, há dois anos, quando tentou saber mais. “Era muito texto, muita palavra para chegar a uma conclusão mínima. Podiam tornar o texto mais objetivo, mais simples, e assim as pessoas tinham as informações necessárias”.
Acredita não estar sozinha nesta incerteza: “muitos [jovens] não sabem ao certo em que votar, ou não se enquadram em nenhum dos [partidos] eleitorais”. Contudo, afirma que a era digital confere aos jovens alguma vantagem na procura e no tratamento da informação, ferramentas melhores que as das “pessoas adultas” e “sobretudo idosas”. Rita não descarta, porém, a necessidade de uma linguagem mediática mais “facilitadora”: “acho que muitas vezes as reportagens feitas e os artigos publicados são um pouco confusos. Não são diretos nem objetivos”.
A Rita tem 21 anos e nunca votou, mas nas próximas eleições planeia mudar isso. “Eu sempre tencionei [votar] porque acho que é uma obrigação de toda gente e fui contra os meus valores”.
Um problema que não é de agora
Como o de Rita, milhares de boletins de voto ficaram por preencher. Confusos, desinformados ou desinteressados, os jovens acabam por ficar à margem do processo eleitoral logo no seu ponto de partida: as eleições. Este problema não é recente, nem novidade para o Governo ou para os partidos. Nos últimos momentos eleitorais, a abstenção tem sofrido um aumento significativo.
Na verdade, a abstenção é uma consequência natural da democracia, onde o voto é um exercício de liberdade. Até nas primeiras eleições livres em Portugal, no pós-25 de abril, ela esteve presente. Mas não nas proporções que vemos hoje. Em 1975, a taxa de participação dos portugueses, ainda quentes da vitória contra o regime do Estado Novo, foi de uns históricos 91,7%. Como explica André Azevedo Alves, coordenador científico do Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos na Católica de Lisboa, números assim obtêm-se em “situações de maior tensão, como no caso da Assembleia Constituinte, que ocorreu em transição de regime, onde naturalmente há um empenho associado à participação”.
Exceto em três atos eleitorais (1980, 2002 e 2005), a percentagem de eleitores a votar diminuiu sempre face às eleições anteriores. Nas legislativas deste ano, a taxa de participação atingiu o seu valor mais baixo, 48,6%, o que significa que mais de metade dos portugueses em idade de votar não o fez. Em 44 anos de democracia, a taxa de abstenção escalou dos 8,5% para os 51,4%, o que se traduz num aumento de mais de nove pontos percentuais por década.
As razões por detrás dos números
A abstenção foi o tema que estreou, no ano passado, os Portugal Talks, um “laboratório de ideias” que reuniu um grupo de trabalho para “falar Portugal” e tomar ação concreta em temas nacionais. Do encontro entre investigadores da área surgiu um estudo intitulado “Abstenção e Participação Eleitoral em Portugal: Diagnóstico e Hipóteses de Reforma”, assinado por João Cancela e Marta Vicente. Numa conferência aberta ao público, a comissão científica apresentou os resultados do estudo e prometeu gerar uma “discussão que não se fica pelas palavras”, prometendo enviá-lo à Assembleia da República. O Prisma teve acesso ao estudo antes da sua publicação, no final de Novembro, que faz uma análise profunda aos números da abstenção e às possíveis razões por detrás deles.
Mesmo intensivamente estudada, perceber “se a abstenção é uma doença em si mesma ou se é um sintoma de algo mais generalizado” é um desafio. Quem o diz é João Cancela, co-autor do estudo que esmiúça a abstenção: “é muito difícil apontar uma grande causa unificadora que explique por que as pessoas não votam”. Um dos resultados apurados pelo Portugal Talks refere a idade como um dos fatores de peso na participação eleitoral, além do interesse pessoal e da proximidade a partidos políticos. De facto, a tendência abstencionista nas faixas etárias dos 18 aos 24 e dos 30 aos 44 anos seguiu o aumento da própria abstenção.
Uma razão que se aponta para as camadas mais jovens não votarem tanto é “o facto de terem crescido em liberdade e, portanto, considerarem que não precisam de lutar para atingir determinadas situações”, explica António Tavares, doutorado em Ciência Política, Relações Internacionais e Cidadania pela Universidade Lusófona do Porto. Feitas as contas, um jovem com idade suficiente para votar nas eleições de 1975 teria agora, no mínimo, 65 anos - uma das faixas etárias com maior taxa de participação, segundo o mesmo estudo.
Quem não vota toma “a decisão de não decidir”, mas há silêncios e silêncios. Catarina Santos Botelho integrou a comissão científica das Portugal Talks e distingue vários tipos de abstenção. Se, por um lado, a abstenção pode ser um sinal de que os eleitores não votam porque “acreditam no sistema”, por outro, a abstenção pode constituir “um silêncio de indiferença”, como quando os cidadãos não votam por descrédito no sistema político.
A professora de Direito na Católica do Porto aponta também como fator dissuasivo do ato eleitoral o impacto do voto individual nos eleitores. “Esta consciência da pouca importância de cada voto individual pode levar o eleitor a pensar: “não é por eu ir votar que o resultado será diferente; afinal, é apenas um voto diluído em milhões de votos”, explica a investigadora.
Nos jovens, no entanto, são a falta de motivação e de identificação com os partidos políticos as razões de maior peso na decisão de voto. No entanto, como explica André Azevedo Alves, trata-se de algo mais abrangente: “os jovens votam menos e isso não é exclusivo de Portugal”.
Paralelamente ao desinteresse e à falta de representação sentida pelos jovens, existe também a insatisfação com o sistema. Segundo António Tavares, esta desilusão justifica ainda o voto nos partidos mais pequenos e “de causas”, em vez dos partidos “tradicionais”. Exemplo disso é a entrada de três novos partidos no Parlamento: Livre, Chega e Iniciativa Liberal.
“O maior problema da abstenção é a dificuldade em compreender o que lhe subjaz”, refere Catarina Botelho. Outras razões que aparentam estar por detrás da abstenção, além da falta de interesse e de informação, é a indisponibilidade física e a impossibilidade de deslocação até à mesa de voto.
No caso de vários jovens, a vontade não falta, mas a distância física impede-os de ir às urnas. Carolina Ramon está no último ano da licenciatura em Relações Internacionais na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e, tal como cerca de outros dez mil estudantes portugueses o farão este ano letivo, está a estudar numa universidade fora do país, ao abrigo do programa Erasmus+.
“Estou em Brno, na República Checa, e informei-me para votar antecipadamente, mas tinha que ir a Praga fazê-lo”. Em semana de aulas, as regras restritas da universidade quanto a faltas pesaram nos prós de não votar. O encargo financeiro também: “ir ao consulado em Praga, a três horas e meia de Brno, não era algo que podia fazer assim tão facilmente”, lamenta. A estudante reitera a preocupação com os números crescentes da abstenção; “depois percebo que faço parte desse número”.
Se há uns que não podem votar porque estão longe, outros estão perto, mas continuam sem votar. Beatriz Leal chegou mesmo a enfrentar a urna, só para regressar a casa sem tocar no boletim de voto. “Só quando cheguei à junta de freguesia e tentei votar é que me disseram que o meu nome não estava no caderno eleitoral”. A estudante de Ciências da Comunicação na Universidade do Porto viveu em Macau durante sete anos, até ao verão do ano passado. À data das eleições europeias (o seu primeiro momento eleitoral), soube que, como tinha renovado o cartão de cidadão fora do país, não tinha residência oficial portuguesa, “apesar de estar a residir em Portugal, de ter a matrícula feita numa universidade em Portugal e de ter morada fixa aqui”.
Assim, o voto de Beatriz só contaria se tivesse sido feito antecipadamente, como residente no estrangeiro. O último recurso seria recuperar um documento com os “códigos eletrónicos” que lhe teriam dado no consulado e que Beatriz nega ter recebido. A mesma burocracia que lhe permite provar a sua cidadania impediu-a de exercer a sua cidadania. Sem opções, Beatriz vai mesmo ter que esperar pela próxima renovação - “no meu caso, só em 2020”.
Segundo um inquérito enviado pelo Prisma a cerca de dez mil estudantes da Universidade do Porto, ao qual 915 estudantes responderam, cerca de 90% dos jovens universitários considerados votou no dia 6 de outubro.
Contudo, dificilmente esta taxa permite tirar qualquer inferência sobre a inclinação dos jovens para a abstenção, de uma forma geral. Da amostra recolhida, cerca de 22% admitiu já ter escolhido não votar desde que atingiu a maioridade. Destaca-se, principalmente, a abstenção nas eleições europeias, com cerca de 47%, e, em segundo lugar, nas legislativas, com 28%.
São várias as razões apresentadas pelos estudantes do Porto, que por sua vez se aproximam das enunciadas pelo estudo do Portugal Talks. Destas, destaca-se a impossibilidade física: 40% dos jovens aponta a impraticabilidade como motivo.
Além disso, a maioria dos jovens, cerca de 57%, considera não haver momentos eleitorais mais importantes do que outros. Contudo, aproximadamente 39% dos jovens da amostra atribui maior peso às legislativas.
Na era do clique, a ponte entre os jovens e a informação é frequentemente garantida pelos media, embora, segundo grande parte das respostas, a forma como a política é anunciada não é adaptada e eficiente: cerca de 73% dos estudantes acredita não estar a haver um tratamento correto.
A representação política da geração ausente
Independentemente das causas, o denominador comum da abstenção resume-se na perda generalizada de representatividade, especialmente quando um grupo etário se abstém em massa. João Cancela define o sufrágio livre como pilar da igualdade social: “nós vivemos em sistemas democráticos que partem do pressuposto de que, na hora do voto, toda a gente tem o mesmo peso: o voto das pessoas novas, velhas, ricas, pobres, mulheres, homens, vale o mesmo.
E é com base nesse princípio que se funda a democracia”, refere o investigador. “E se houver partes da sociedade que votam sistematicamente mais do que outras, isso leva a que alguns grupos possam não estar representados politicamente e que as políticas públicas que são desenhadas levem a beneficiar alguns grupos em detrimento de outros”. O que mais separa estes grupos é a idade, mas o estudo de João Cancela diz que há outro fator de peso: “pessoas com menos rendimentos votam muito menos que antigamente”.
Aos 25 anos, o deputado pelo Partido Socialista Miguel Costa Matos é o mais novo na Assembleia e alerta para uma crise de identidade: “se a política apenas vive do dia a dia de algumas gerações, ou de algumas partes do país, então ela vai ser uma enorme desilusão”.
Para André Azevedo Alves, a falta de pluralidade de vozes num processo democrático põe em causa a própria legitimidade do sistema: “se a larga maioria dos eleitores não vota, as eleições não deixam de ser democráticas, mas o resultado naturalmente perde legitimidade”.
Mesmo que as diversas causas da abstenção nos jovens tenham como raiz consequencial a geração desvinculada da intervenção política, a solução não pode nunca deixar de passar por integrar, readaptar ou mesmo criar novas formas de ter os jovens na política.
Segundo Miguel Costa Matos, a solução passa “não só por falar para os jovens, mas também por ouvir os jovens”. Para o mais novo deputado português, muito vai do dizer ao fazer, e este último é determinante para a valorização dos jovens no processo democrático. “O discurso político tem que ter medidas incorporadas para não cair em saco roto, porque isso também gera desilusão e afastamento. Não há uma única solução, mas ela passa por termos um país e uma política para jovens, e isso não é reduzirmo-nos a pequenas matérias mas envolvermo-nos continuamente em todas as áreas da política, ouvir verdadeiramente as nossas preocupações e propostas, incumbi-las no discurso dos nossos líderes políticos e assegurar que elas têm concretização prática e que isso se veja no nosso dia a dia”.
Sofia Matos é também deputada na Assembleia da República e tem 29 anos. Afirma que, no que toca à abstenção jovem, há culpas das duas partes, “como num divórcio”. “Os políticos têm culpa porque não souberam credibilizar a ação política durante os últimos 40 anos. Quem faz política tem de ser um exemplo para os outros e tem de ser uma referência”. No entanto, afirma também que “as pessoas não estão nem interessadas no futuro do país nem interessadas em fazer parte da decisão”.
Ao mesmo tempo, a deputada social-democrata levanta uma questão que considera pertinente: “ninguém tem estes números, mas há muitos eleitores nos cadernos eleitorais que não existem - que já faleceram - e quando contamos as pessoas que não votam estamos a colocar neste número as pessoas que não existem. O número não é realista e isto é preocupante. É preciso corrigir os cadernos eleitorais”.
Sofia Matos aponta a exploração do voto eletrónico e o debate acerca da antecipação da idade mínima de voto como discussões essenciais no sentido de mudar o rumo da abstenção. De facto, tal como reflete o politólogo António Tavares: “se os jovens não participam, então é porque o sistema precisa mesmo de alterações”.
Nem tudo é mau
Apesar do grande número de jovens que se alheiam do seu direito cívico, há uma outra camada que é ativa e consciente quando se fala de política.
Prova disso é Tiago Cunha, estudante de Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Para Tiago, “fazer uma cruz parece um exercício quase superficial e sem grandes implicações, mas diz muito sobre aquilo que somos e, sobretudo, sobre o que pretendemos”. O jovem explica ainda que é importante entender a abstenção como algo global, e não exclusivo da geração mais nova: “nós temos abstenção também por causa dos jovens, não temos abstenção só por causa dos jovens”.
Nuno Can é outro exemplo. Nuno tem 18 anos, é estudante na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e decidiu criar o Falta de Educação, uma plataforma cujo objetivo é “aumentar a transparência e atenção sobre os temas de Educação e Juventude”. Segundo Nuno, “o discurso político tem questões mais técnicas e económicas, como a percentagem do PIB que é investida na educação, mas depois não dialoga com as perceções e realidades dos alunos”.
O estudante e criador da plataforma explica, então, que é preciso articular melhor o discurso político à linguagem dos jovens, daí ter criado o Falta de Educação. Comparou as principais propostas dos partidos em cada tema e, para simplificar os dados, destacou os mais relevantes para os jovens e estudantes, usando palavras-chave como “educação”, “propinas” e “ensino superior”.
Nuno Can esclarece que “a falta de educação aqui é da Educação com E maiúsculo, a educação como o ensino, a estratégia nacional de Educação”. Nuno refere, assim, a importância de tornar a educação uma prioridade: “não falta educação nos jovens, falta Educação como uma estratégia nacional”, acrescenta.
Outra plataforma é o Política para Todos. Nuno Carneiro, estudante de Engenharia Industrial na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, criou o site “para não haver abstenção e que os votos sejam informados”. Segundo Nuno, “as pessoas não se informam porque também há dificuldade em encontrar a informação”, daí a importância de facilitar e simplificar o discurso político, principalmente, à geração mais nova.
As novas formas de política
Apesar de milhares de jovens escolherem não votar, abdicando assim de um direito que lhes pertence, muitos também são ativos e envolvem-se na vida cívica de outra forma. Voluntariado, organizações ou associações são alguns exemplos de atividades em que as gerações mais novas estão presentes.
Segundo Catarina Botelho, “se é verdade que os jovens são pouco propensos a votar, talvez por terem nascido em plena democracia, também é verdade que optam por se envolver na política de diferentes formas, tais como, por exemplo, em manifestações, fóruns online ou petições públicas”.
Já Luísa Neto, professora na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, diz que, apesar de os jovens estarem despertos “para aquilo que é alguma dimensão social de ajuda e de envolvimento, é preciso fazê-los perceber que o ato de votar é também uma forma de participação ativa na vida cívica tão ou mais importante como os projetos sociais em que estão envolvidos”.
Uma nova ponte para a política, de jovens para jovens
Tanto o Falta de Educação como o Política para Todos foram criados com o objetivo de informar melhor os jovens na área da política. Ambas as plataformas pretendem, ainda, colmatar as falhas nos meios de comunicação quanto ao tratamento de informação para a camada mais jovem.
Como refere o criador do Falta de Educação, “há um problema em articular o discurso e os interesses dos políticos e dos estudantes”, pelo que estas novas plataformas vêm facilitar isso mesmo.
Segundo Nuno Can, os media tradicionais, com mais impacto na população, não são assim tão consumidos pelos mais novos. Além disso, os próprios jovens e os estudantes acabam por não ser um público tão procurado pelos partidos “porque têm que falar para uma franja de público muito maior”. Assim, não há uma adaptação do discurso político ao jovens: “mesmo quando se fala de educação, não é um discurso que seja atraente”.
Nuno Carneiro, do Política para Todos, explica ainda que “os jovens estão habituados a ter tudo à distância de um clique e este processo de descobrir em quem podem votar e quais são as suas opções ainda está um bocado no século XX”.
Como contrariar a inércia
A abstenção não é um problema recente e as tentativas de a resolver também não. Um pouco por todo o mundo, há regimes democráticos em que a abstenção se tornou residual a partir do momento em que se implementou o voto obrigatório (com ou sem consequências pecuniárias).
Para Catarina Botelho, professora de Direito na Católica e ainda membro da comissão do Portugal Talks, esta não é a solução. Acrescenta que a obrigatoriedade, já sugerida pelo PSD e o CDS, tornaria o voto num dever jurídico, e não cívico - desvirtuando-o como um ato democrático.
A Estónia foi pioneira precoce na modernização do processo eleitoral ao estrear, em 2005, o voto eletrónico em eleições locais. O PSD apresentou, em 2017, um projeto-lei para testar o voto à distância em Portugal, sem sucesso. Esta é a medida de facilitação do voto mais promissora, mas “o risco de manipulação das eleições supera os benefícios da sua implementação”, reitera Catarina Botelho. De facto, suspeita-se que a intervenção russa nas eleições americanas de 2016 terá sido feita através das urnas eletrónicas.
Já na Europa, a Áustria e a Malta marcam a idade mínima para voto nos 16 anos - medida já proposta pelo PAN e apoiada pelo Bloco de Esquerda. Catarina Botelho apoia a iniciativa que permite que mais jovens votem, mas com reservas: “alguns estudos registam efeitos positivos dessa medida em determinados países, mas não se comprometem com um otimismo desmesurado”, por não haver ligação direta entre a idade e a maturidade dos jovens para votar.
A professora da Católica sugere uma medida menos discutida: “a ideia seria implementar um prémio na forma de incentivo fiscal àqueles que participassem nos atos eleitorais”. Uma outra medida já discutida é a das cadeiras vazias - e que constava no programa eleitoral de Rui Rio - mas nunca implementada e que permite responsabilizar a abstenção. Isto significa que os votos nulos e em branco são contabilizados nas cadeiras do parlamento. Se nas últimas eleições legislativas eles contassem como um partido, seriam o quinto mais votado, com dez cadeiras vazias na Assembleia da República.
Propostas de soluções há várias. No entanto, a viabilidade destas medidas está longe de ser garantida. Como reflete Catarina Botelho, a erradicação da abstenção não pode passar por “medidas paternalistas e impositivas de comportamentos”. A participação política deveria ser “livre de freios”, porque “não se promove infantilizando os cidadãos”. Promove-se sim “por uma sociedade civil sã, informada e politicamente interventiva”.
O rosto da abstenção não é um rosto desconhecido
Para a maioria dos jovens, a política “é uma área difícil” porque “não é apelativa”. Como conta Rita Silva, que decidiu não decidir, se o contacto com a política “for incutido desde cedo, se calhar, o interesse desperta de uma maneira diferente”.
Rita propõe como solução medidas de educação política dinâmicas e interativas, e “não só estar a ouvir na escola”. Para a estudante, uma pedagogia participativa e com lugar para questões “atraía mais a atenção”: “quando iam falar à escola desse tipo de assuntos, eu adormecia, desligava um bocado”.
“A abstenção acaba por funcionar como uma espécie de barómetro, que permite perceber quão envolvidas estão as pessoas no processo político”, explica João Cancela, um dos autores do estudo do Portugal Talks. No entanto, “nem tudo é reversível, há tendências enraizadas na sociedade e não se antevê que sejam muito fáceis de mudar”, conclui.
A política tem de ser encarada como uma realidade mais próxima de todas as gerações. O rumo do país é determinado por aqueles em quem se deposita confiança. Quer os cidadãos participem ativamente nessa escolha, quer não, a política detém, na mesma, um impacto nas suas vidas. Para Miguel Costa Matos, o deputado mais jovem desta legislatura, “o grande desafio para combater a abstenção é que a política possa fazer a diferença na vida das pessoas”.
Este é um problema que não é de agora e é resultado da própria democracia. Por isso, a abstenção vai sempre existir, não é extinguível. Contudo, é possível contrariar as mentalidades e, consequentemente, a tendência abstencionista da juventude. Isto faz-se através da aposta em medidas e ferramentas capazes de aproximar os jovens da política.
O rosto da abstenção não é um rosto desconhecido: está nos nossos amigos, na nossa família e nos nossos vizinhos. É um rosto sem rugas, sem marcas do tempo, nascido num berço democrático, onde a liberdade é um direito garantido - tantas vezes desvalorizado por uma geração que decide não decidir.
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